sábado, 17 de janeiro de 2015

de eras, perfumada de lótus ...



Porque vamos morrer, os minutos da minha vida ficam mais intensos e eu levo tudo à sério como quem vai morrer a qualquer minuto e não levo nada a serio como quem pode morrer a qualquer minuto. Porque vamos mesmo morrer, eu quero morrer com cento e dez anos, que uma década a mais para quem já viveu um século faz muita falta sim. Porque vamos morrer, eu dou mais risadas do que o habitual e não me importo com o que dizem de mim, principalmente quando falam mal porque as pessoas falam mal de tudo, e é triste se elas ficam bem assim, com isso, e precisam menosprezar os outros para se glorificarem. Eu as glorifico mesmo sem precisar desprezá-las, porque vamos mesmo morrer. Cada coisa, por menor que seja toma uma dimensão infinita e quanto menor e mais simples for, maior e mais infinita se torna, porque a morte traz em si a essência da vida e porque sei da presença dela que tudo se ilumina, mas não faço questão de conhecê-la tão logo, mesmo porque ela já deu certeza que virá, e virá de surpresa. Porque vamos morrer, minha timidez torna-se um tesouro e seduz a todos e quanto mais quietinha eu ficar no meu canto, mais simpatia eu despertarei, que as pessoas terão curiosidade em conhecer e ficar amigas de uma pessoas tão calada e misteriosa como eu, com tanta consciência da vida quanto da morte, sua irmã siamesa. Porque vamos mesmo morrer, eu não tenho medo da morte, que morrer não dói. Morrer não dói. Porque vamos mesmo morrer eu quero mais é me enfeitar de lápis lázuli nos meus braços, pratas nos meus dedos, diamantes nas minhas orelhas, rubis nos meus pés, esmeraldas na minha cabeça e e turmalinas no meu pescoço que é só prá ver, sem precisar tocar. Porque vamos mesmo morrer, eu quero aprender a falar francês, japonês e chinês e passar pelo menos um ano em cada país que fala essa língua para poder me comunicar com as gentes e para que elas me entendam finalmente e que finalmente eu possa dizer que porque vamos mesmo morrer a vida deveria ser o inverso do que é e que a morte nos iguala a todos e quanto mais iguais formos, mais as nossas diferenças nos enriquecerão, e não estou falando em dinheiro. Porque vamos mesmo morrer, temos que entender o lugar da tristeza no mundo e saber ouvir os sambas que foram feitos em madrugadas frias de desolação e descontentamento e que se isso tudo produziu tanta beleza é porque uma coisa completa a outra e porque vamos mesmo morrer eu estou completa de vida e minha vida se completa de uma necessidade de mais vida todas as vezes que olho nos olhos do meu amor e que porque sei que ele também vai morrer eu não paro nunca de amá-lo e amá-lo e amá-lo. Porque vamos mesmo morrer, eu não me canso de colocar vidas no mundo e ensiná-las que é de vida que elas tem que se alimentar e gerar outras vidas até que habitemos os outros planetas de nosso sistema solar, e aos poucos, bem aos poucos que não tenho pressa de nada, outras galáxias, e finalmente outros universos, que duvido que só exista esse e muito menos que só nesse planeta tenha tanta vida e tanta vida diversa em suas cores, formas, cheiros, sabores e sons. Porque vamos mesmo morrer eu entendo o valor das coisas, e sei que a preguiça é necessária assim como o tédio, a depressão, a raiva e que tudo tem seu lugar e sua importância no mundo, e que dosando tudo, tudo fica como sempre foi – infinito. Porque vamos mesmo morrer eu quero subir a escada rolante que desce, cometer infrações de transito, experimentar toda a coleção de verão daquela loja que não vale o que cobra, viver a gloria do capitalismo e dizer que sim – eu amo a sociedade de consumo sem culpa! Mas que queria poder dividi-la, e dizer que todo brasileiro deveria ter direito a uma mansão com piscina, sauna, e outras frivolidades absolutamente necessárias. Quem vai me contrariar? Porque vamos mesmo morrer, eu quero morrer lúcida, no auge da minha alegria, e ser coroada de eras, perfumada de lótus e dormir nos braços cristalinos de Iemanjá!...  

imagem Joshua Hoffine's Horror Photographs

palavras Dionisio Neto  é ator, diretor e dramaturgo. Nascido em São Luís do MA, escreveu mais de 15 peças de teatro (Perpétua, Opus Profundum, Desembestai!, Desconhecidos, Antiga, entre outras. Atuou em longas (Carandiru), novelas (A Favorita, Morde e Assopra), comerciais.  

2 comentários:

  1. muito bom o seu blog, se precisar de uma parceria na divulgação mande um email para min rodofix1@gmail.com vou recomendar e acompanhar seu blog espero sua resposta linuxbugone.blogspot.com.br

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  2. obrigada pelo interesse, esse blog carreia a minha coluna jardin del hisbiscus da revista ellenismos. está atrelada a ela.

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